Revisão de contratos durante a crise – aspectos gerais

Por Caroline Therezo Pinheiro (caroline@rssa.com.br) e Isabella Kempter (isabella@rssa.com.br)

Como é de notório conhecimento, em detrimento da rápida disseminação do COVID-19, pelo Decreto Legislativo n. 6 de 20.03.2020, foi reconhecida a ocorrência do estado de calamidade pública, sendo adotadas inúmeras medidas a fim de retarda-la e gerar impactos menos significativos a população.

Trata-se, portanto, de acontecimento superveniente, extraordinário e imprevisível, que de certo acarretará no agravamento de situação econômico-financeira mundial, podendo prejudicar sobremaneira as atividades de diversas empresas, o que, por conseguinte, acarretará na dificuldade de adimplemento de obrigações pecuniárias e obrigações de fazer.

Dessa forma, é necessário atentar-se as medidas que poderão ser tomadas a fim de evitar o agravamento da crise econômica, bem como as possíveis consequências jurídicas.

1. TEORIA DA IMPREVISÃO

A Teoria da Imprevisão, prevista no artigo 317 do Código Civil, apresenta como pressupostos para a sua aplicaçãoa imprevisibilidade e excepcionalidade do evento causador do desequilíbrio e extraordinariedade da álea causada a um dos contratantes. Logo, ela pode ser aplicada quando verifica-se o desequilíbrio ou desproporção, superveniente à relação obrigacional

Entende-se, de acordo com essa teoria, que, ao tempo do adimplemento, nos contratos de execução diferida, prolongada ou continuada, deverão estar presentes as circunstâncias que garantam a equivalência entre as obrigações recíprocas e a obtenção do fim natural do contrato (função), sendo assim, ante o desequilíbrio, é possível a revisão judicial das prestações.

2. TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA

A Teoria da Onerosidade Excessiva é disciplinada nos arts. 478 a 480 do Código Civil, podendo ser aplicada quando as hipóteses de contratos de execução continuada ou diferida em que a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, admitindo-se a resolução do negócio jurídico.

Tem como pressupostos ocorrência de fatos supervenientes que atinjam a prestação de modo a dotá-la de um valor muito distinto do anterior, o que caracteriza a onerosidade excessiva e imprevisibilidade e extraordinariedade dos fatos. A resolução por onerosidade excessiva tem como característica o fato de poder ser utilizada por ambas as partes do negócio jurídico, seja o credor, seja o devedor, sendo determinante a aferição concreta de qual deles sofreu demasiado ônus proveniente da quebra da correspectividade das prestações.

Outro aspecto que pode ser ressaltado é que a Teoria da Imprevisão trata da revisão judicial do contrato, enquanto a Teoria da Onerosidade Excessiva, por sua vez, é aplicada para os casos em que se verifique impossibilidade superveniente de execução da prestação, sendo esta uma causa extintiva do contrato, somente admitindo a modificação do seu conteúdo por mútuo acordo.

3. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR

O artigo 393 do Código Civil estabelece que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado e, complementarmente, o parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis.

Assim, existindo um impedimento real e comprovado que justifique a impossibilidade de cumprimento do dever contratualmente assumido, pode-se aplicar a excludente de responsabilidade.

A pandemia de Covid-19, tem as características comuns a um evento de força maior, porém deve ser analisada caso a caso, sendo imperioso destacar que os contratos bancários, como contratos de empréstimo e cédulas de crédito, geralmente não fazem constar disposições de força maior e, por consequência, de exclusão de responsabilidade de tomadores e garantidores.

As obrigações constantes nesses instrumentos têm caráter objetivo (ex. pagamento de valores em datas específicas e sujeitos a encargos definidos), que não são afetadas por circunstâncias excepcionais, como a atual pandemia de Coronavírus.

Contratos societários, de outro lado, como de aquisição de participação societária, no caso de um evento de força maior, poderão ter a operação impossibilitada, motivo pelo qual o comprador terá o direito de cancelar o aporte sem que se submeta a responsabilidades perante a empresa investida e/ou demais sócios.

Contratos comerciais, nacionais ou internacionais, tais como contratos de fornecimento de serviços e produtos, poderão valer-se da excludente de responsabilidade por força maior, sendo comum a previsão de cláusulas com essa previsão em razão de evento excepcional nestes instrumentos. Assim, será preciso demonstrar a relação de causa e efeito que tem a impossibilidade de cumprir com a obrigação com as medidas tomadas para combater o Covid-19.

4. DO GERENCIAMENTO DO RISCO DE CRÉDITO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL

A Resolução n. 4782-20, estabeleceu, por tempo determinado, em função de eventuais impactos da Covid-19 na economia, critérios temporários para a caracterização das reestruturações de operações de crédito, para fins de gerenciamento de risco de crédito.

A medida determina que, para fins do gerenciamento do risco de crédito, as reestruturações de operações de crédito realizadas até 30 de setembro de 2020, inclusive, ficam dispensadas de observar o disposto nos incisos I e III do § 1o do art. 24 da Resolução no 4.557, de 23 de fevereiro de 2017, os quais dispõem: Art. 24.

Para fins do gerenciamento do risco de crédito, a exposição deve ser caracterizada como ativo problemático quando verificado pelo menos um dos seguintes eventos: (…) II – há indicativos de que a respectiva obrigação não será integralmente honrada sem que seja necessário recurso a garantias ou a colaterais. § 1o Os indicativos de que uma obrigação não será integralmente honrada incluem: I – a instituição considera que a contraparte não tem mais capacidade financeira para honrar a obrigação nas condições pactuadas; (…) III – a operação relativa à exposição é reestruturada, nos termos do art. 21, § 1o, inciso II; A medida não se aplica à reestruturação de operações já caracterizadas como ativos problemáticos na data de publicação da Resolução( 17/03/2020) ou com evidências de ausência de capacidade financeira da contraparte para honrar a obrigação nas novas condições pactuadas.

5. COBERTURA SECURITÁRIA

É fundamental que as apólices de seguros sejam analisadas cuidadosamente e caso a caso, vez que podem ser um instrumento importante de proteção no cenário atual envolvendo as consequências da COVID-19, a depender dos seus termos e condições.

Cumpre ressaltar que, a cobertura de interrupção de negócios (lucros cessantes) e seguros garantia (performance), geralmente, não se aplicam a situações de pandemias, assim deve-se analisar a clareza do clausulado, a fim de verificar a possibilidade de discussão no âmbito das apólices.

É de extrema importância que, as seguradoras sejam prontamente e devidamente informadas acerca de fatos que possam gerar um sinistro coberto, sendo adotadas todas as medidas que possam mitigar o prejuízo ou evitar o agravamento da situação.

6. DAS LICITAÇÕES

A Medida Provisória 926/20 dispensa licitação e outras formalidades para ara aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. A medida prevê ainda a possibilidade de contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido. Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista.

7. CONTRATOS INTERNACIONAIS

O artigo 79 da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), da qual o Brasil e China são signatários, bem como outros 77 países, dispõe que Nenhuma das partes será responsável pelo inadimplemento de qualquer de suas obrigações se provar que tal inadimplemento foi devido a motivo alheio à sua vontade, Logo, as consequências do coronavírus em tais circunstâncias funcionariam como uma válvula apta a isentar responsabilidades.

Importante esclarecer que a resolução do contrato é medida extrema, utilizada somente em casos excepcionais, uma vez que a Convençao otpou pela aplicação do princípio da preservação dos contratos e pelo princípio da obrigatoriedade dos pactos (“pacta sunt servanda”), logo a ideia que prevalece é a de manutenção do contrato, com as adequações necessárias. Por todo o exposto, é inegável que a pandemia irá ocasionar grande abalo econômico no país e de certo entrará para a história como uma das piores crises já existentes, sendo certo que diversas economias sofrerão tanto pela quebra da oferta, por causa da interrupção de fornecimento em diferentes cadeias produtivas, quanto pela demanda por causa da perda de renda e do desemprego, motivo pelo qual, deve-se atentar aos contratos firmados e suas particulares, observando se poderão sofrer alterações ou até mesmo serem rescindidos.

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