recuperacao extrajudicial

Recuperação extrajudicial e a opção pela não limitação da novação quanto aos garantidores

Por Ricardo Amaral Siqueira

Discutiremos aqui a importância da recuperação extrajudicial e avalistas em empresas com desafios financeiros complexos. Estímulos, abrangência e a opção pela não limitação da novação quanto aos garantidores.


A ampliação do uso da recuperação extrajudicial após a Lei 14.112/2020

A Lei nº 14.112/2020 redesenhou elementos essenciais da recuperação extrajudicial, ampliando significativamente sua utilidade prática como instrumento de reorganização empresarial. Entre as mudanças mais relevantes estão a redução do quórum do plano impositivo (de 2/3 para mais de 50% dos créditos submetidos) e a possibilidade de concessão de um stay period de 90 dias mediante a obtenção de 1/3 de adesões prévias.

O impacto dessas alterações já é observável: segundo o Observatório Brasileiro da Recuperação Extrajudicial, o país registrou 49 novos casos apenas em 2025, indicando que o instituto passou a ocupar espaço antes reservado quase exclusivamente à recuperação judicial.

O crescimento, no entanto, evidenciou lacunas interpretativas. A jurisprudência construída ao longo dos anos se baseou prioritariamente na recuperação judicial, o que acabou produzindo distorções quando aplicada, por analogia, ao regime extrajudicial.

A importância de distinguir os instrumentos de insolvência

Contudo, a legislação tratou clara e expressamente os procedimentos de forma distinta. O estudo das diferenças estruturais — especialmente no tocante à novação e à sujeição de créditos — torna-se indispensável para compreensão adequada dos efeitos jurídicos próprios da recuperação extrajudicial.

I – Das características da novação na recuperação extrajudicial

1. Separação estrutural entre recuperação judicial e extrajudicial

O ponto inicial é o art. 1º da Lei nº 11.101/2005, que individualiza os três instrumentos de controle de crise: recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência. Essa distinção, ainda que simples, produz efeitos interpretativos relevantes, pois impede a transposição automática de dispositivos destinados exclusivamente à recuperação judicial.

2. Como funciona a novação na recuperação judicial

Na recuperação judicial, o art. 59 determina que o plano implica novação dos créditos “sem prejuízo das garantias”, e o §1º do art. 49 confirma que “os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. Foi dessa construção que derivou a Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça:

“A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”

Tanto os dispositivos legais quanto a Súmula 581 deixam claro que essa limitação da novação — restrita ao devedor principal — é própria e exclusiva da recuperação judicial.

3. A novação extrajudicial: imediata, plena e definitiva

Surge então a pergunta: qual é o regime de novação aplicável à recuperação extrajudicial?

A professora Maria Rita Rebello Pinho oferece resposta elucidativa ao afirmar que, diferentemente da recuperação judicial, a novação extrajudicial se opera de forma imediata, com a sentença de homologação, sem condição resolutiva:

“Homologado o acordo, a sentença constituirá título executivo judicial (§6º). […] Aqui, a novação torna-se definitiva com a sentença que homologa o plano extrajudicial. Seu descumprimento somente poderá implicar a execução do título judicial ou o pedido autônomo de falência.”

Na recuperação extrajudicial, portanto, não há período de fiscalização, nem condição suspensiva ou resolutiva. A novação é plena e automática, extinguindo acessórios e garantias, conforme o art. 364 do Código Civil.

4. Exceção: alienação de garantias reais

A única exceção legislativa expressa diz respeito à alienação de garantias reais, que exige a aprovação do credor titular quando houver previsão no plano.

Como observa o professor Marcelo Barbosa Sacramone, o sistema de insolvência possui objetivos difíceis de mensurar e nem sempre plenamente expressos na lei. Assim, quando o legislador trata instrumentos de forma distinta, confere-lhes efeitos, incentivos e consequências igualmente distintos. Na recuperação extrajudicial, a opção foi por um procedimento mais célere, simples e definitivo.

Homologado o plano, extingue-se a dívida originária. Simples assim.

II – Dos créditos potencialmente sujeitos à recuperação extrajudicial

1. Regra geral: todos os créditos existentes na data do pedido

Se a novação possui regime próprio, o mesmo ocorre com os créditos sujeitos à recuperação extrajudicial. O art. 161, §1º, é explícito ao definir que se submetem ao procedimento todos os créditos existentes na data do pedido, exceto:

  • os créditos de natureza tributária;
  • os previstos no art. 49, §3º;
  • os do art. 86, II.

2. Créditos excluídos da extrajudicial

Assim, não se submetem à recuperação extrajudicial, entre outros, os créditos:

  • do proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis;
  • do arrendador mercantil;
  • do promitente vendedor de imóvel com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade;
  • do titular de adiantamento a contrato de câmbio.

3. Regime específico dos créditos trabalhistas

A legislação também tratou de forma distinta os créditos trabalhistas, que só podem ser incluídos mediante negociação coletiva com o sindicato da categoria.

4. Exclusões criadas pela Lei 14.112/2020 valem apenas para a recuperação judicial

A reforma introduzida pela Lei nº 14.112/2020 acrescentou novas hipóteses de exclusão aplicáveis à recuperação judicial — como os atos cooperativos (art. 6º, §13) e as CPRs com liquidação física (art. 11 da Lei nº 8.929/1994). No entanto, o legislador optou por limitar essas exclusões exclusivamente ao regime judicial, sem qualquer extensão automática à recuperação extrajudicial.

Interpretar essas limitações de maneira analógica seria contrariar o texto expresso do art. 161 e, principalmente, a opção legislativa de fortalecer a via extrajudicial como mecanismo mais eficiente de reorganização.

III – Conclusão

A expansão recente da recuperação extrajudicial exige revisão da leitura jurisprudencial tradicional, construída quase inteiramente a partir da recuperação judicial. A novação extrajudicial possui regime próprio: é plena, imediata e extingue garantias, salvo exceção expressa.

Do mesmo modo, a definição dos créditos sujeitos ao procedimento não comporta interpretação ampliativa das exclusões previstas exclusivamente para a recuperação judicial.

O legislador buscou, com isso, diferenciar os instrumentos de forma clara, conferindo maior eficiência e celeridade à recuperação extrajudicial. Desconsiderar essas diferenças equivaleria a romper a lógica estrutural do sistema brasileiro de insolvência.


Referências

  • Pinho, Maria Rita Rebello. Comentários ao regime da recuperação extrajudicial e da novação.
  • Sacramone, Marcelo. Recuperação Judicial – dos Objetivos ao Procedimento – 1ª Edição 2024 (Portuguese Edition) (p. 12). (Function). Kindle Edition
  • Cunha, Fernando Antonio Maia da; Dias, Maria Rita Rebello Pinho. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Edição Kindle.
  • Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça.
  • Lei nº 11.101/2005 e alterações da Lei nº 14.112/2020.

Fonte original: ConJur – Consultor Jurídico (26/11/2025). Disponível em:
link.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *