O Congresso Nacional derrubou ontem 12 dos 14 vetos feitos à nova Lei de Falências (nº 14.112, de 2020), o que devolve ao texto benefícios fiscais e outras vantagens que possibilitam a atração de recursos para as empresas em recuperação judicial. Para especialistas, traz de volta o equilíbrio que foi negociado com o Ministério da Economia para conceder o superpoder ao Fisco – de pedir falência.
Agora, os investidores que adquirirem bens de empresas em recuperação judicial não terão qualquer responsabilidade sobre as obrigações do devedor, seja de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária ou trabalhista. Ou seja, volta a vigorar o parágrafo único do artigo 60 e o parágrafo 3º do artigo 66.
Juliana Bumachar, presidente da Comissão de Recuperação Judicial da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, afirma que, sem dúvida nenhuma, esse é um dos pontos mais importantes. Ela atuou em conjunto com diversas entidades integrantes do Grupo Permanente de Aperfeiçoamento do Direito de Insolvência (GPAI) para a derrubada dos vetos.
“Muitos investidores estavam inseguros com esse veto porque a jurisprudência do STJ [Superior Tribunal de Justiça] já caminhava nesse sentido nas áreas tributária e trabalhista. Com o veto, poderíamos até retroceder” diz. Para ela, a manutenção desses dispositivos indica um caminho efetivo para a recuperação judicial. “É a possibilidade de ter dinheiro novo entrando na recuperação, além de dar segurança jurídica para a sucessão.”
A volta desse artigo, segundo Luiz Fernando Valente de Paiva, presidente da Turnaround Management Association (TMA) e sócio do Pinheiro Neto Advogados, é fundamental para atrair novos investidores. “Empresas envolvidas na Lava-Jato em recuperação judicial, por exemplo, tem investidores interessados em adquirir bens, mas que tinham insegurança das multas que poderiam ser impostas. Esse artigo resolve de vez a questão”, afirma. Ele acrescenta que a medida traz um efeito positivo não só para a economia porque preserva o processo produtivo como para o investidor, que passa a ter mais segurança.
As empresas em recuperação judicial também terão benefícios fiscais. Sobre valor perdoado de dívida não haverá pagamento de PIS e Cofins e passou-se a permitir o uso de prejuízo fiscal para pagar o Imposto de Renda (IR) e a CSLL. Até então, as empresas só poderiam utilizar prejuízo fiscal para pagar até 30% do valor do débito. As vantagens estão no artigo 50-A.
Um outro artigo, o 6-B, também permite o uso de prejuízo fiscal — sem qualquer limitação de valores — para pagar a tributação que incide sobre os ganhos que as empresas em recuperação têm com a venda de bens e direitos.
Para Juliana Bumachar, esses vetos da presidência geraram um contrassenso absoluto porque esses benefícios tinham sido negociados com o Ministério da Economia, em contrapartida com a possibilidade de participação do Fisco na recuperação judicial. “A balança tinha ficado muito desfavorável para as empresas. Agora com a derrubada dos vetos volta a ter equilíbrio”, diz.
O advogado Ricardo Siqueira, sócio do escritório RSSA Advogados, afirma que a derrubada dos vetos presidenciais trouxe um equilíbrio nessa relação. “O Fisco passou a ter mais protagonismo com a nova lei, mas, por outro lado, tinham que ser mantidos os benefícios fiscais”, diz.
As cooperativas de saúde voltam também a poder entrar com pedido de recuperação judicial, segundo o parágrafo 13 do artigo 6°. O que deve gerar uma demanda ao Judiciário, segundo Ricardo Siqueira. O texto também prevê que as obrigações entre cooperativas não entram na recuperação judicial.
Apenas dois vetos foram mantidos. Um trata da suspensão das execuções trabalhistas contra responsável, subsidiário ou solidário até a homologação do plano, o que para advogados facilitaria a vida das empresas, mas prejudicaria os trabalhadores. Estava previsto no parágrafo 10 do artigo 6°. Esse veto, afirma Ricardo Siqueira, já era esperado, uma vez que se trata de crédito alimentar e assim ficou mantido o entendimento original da lei.
O último veto tratou da competência do Ministério da Agricultura para decidir quais seriam os casos de força maior para que sejam incluídos na recuperação judicial créditos vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR).
Com as mudanças na legislação, o Fisco ganhou um superpoder. Poderá pedir a falência da empresa em recuperação judicial caso haja descumprimento de parcelamento fiscal ou acordo.
A medida também valerá para casos de esvaziamento patrimonial — estratégia adotada para se evitar ou postergar o pagamento de dívida tributária. O superpoder dado vale para as esferas federal, estadual e municipal.
Fonte: Valor